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Alterações ao regime contributivo dos trabalhadores independentes

trabalhadores independentes

O Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro procede a mais uma alteração ao regime contributivo dos trabalhadores independentes, previsto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro. A actual alteração procura estabelecer um quadro de maior equilíbrio entre deveres e direitos contributivos dos trabalhadores independentes com o intuito de melhorar o regime de protecção social destes trabalhadores.

Em causa estão, designadamente, alterações na determinação do montante de contribuições a pagar pelos trabalhadores independentes e consequente alargamento do conceito de entidade contratante. Assim, e conforme se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro, as contribuições passaram a ter como referencial “os meses mais recentes de rendimento ou a reavaliação do regime das entidades contratantes tendo em vista o reforço da justiça na repartição do esforço contributivo entre contratantes e trabalhadores independentes, com forte ou total dependência de rendimentos de uma única entidade”.

Um dos objectivos pretendidos pela revisão foi precisamente estabelecer uma maior aproximação temporal entre a contribuição a pagar e os rendimentos relevantes auferidos. Claro está que este objectivo não está dissociado do intuito de alcançar uma maior adequação da protecção social concedida aos trabalhadores independentes e do consequente reforço da repartição do esforço contributivo suportado pelos trabalhadores independentes, com forte ou total dependência de rendimentos de uma única entidade.

Outro elemento importante é a definição de um montante mínimo de contribuição mensal, com o objectivo de assegurar uma protecção social efectiva, sem lacunas ou interrupções, decorrentes de grandes oscilações de rendimento.

Vejamos então, em traços gerais, quais são as principais alterações ao regime contributivo dos trabalhadores independentes.

Entidade contratante

As pessoas colectivas e as pessoas singulares com actividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que no mesmo ano civil beneficiem de mais de 50 % do valor total da actividade do trabalhador independente, passam a ser consideradas para efeitos de regime contributivo entidades contratantes (art. 140º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Antes, as empresas eram chamadas a contribuir caso beneficiassem de pelo menos 80% do valor total da actividade do trabalhador independente. O conceito de entidade contratante torna-se assim mais abrangente e, nessa medida, as empresas são chamadas a contribuir mais.

Mas as empresas são também chamadas a contribuir mais por via do aumento da taxa contributiva, que de 5%, passa a:

a) 10 % nas situações em que a dependência económica é superior a 80%;

b) 7 % nas restantes situações (art. 168º, nº 7, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

É pertinente, contudo, questionar se as novas regras em vez de contribuírem para uma repartição mais justa do esforço contributivo, não acabarão por penalizar ainda mais os trabalhadores independentes, ou seja, se na prática não serão estes a suportar, directa ou indirectamente, o alargamento das contribuições a cargo das empresas.

Ainda em relação ao conceito de entidade contratante cumpre referir que se mantêm as exclusões previstas na leis, pelo que a qualidade de entidade contratante continua a depender de os trabalhadores independentes não estarem isentos do pagamento de contribuições e de auferirem um rendimento anual de prestação de serviços igual ou superior a seis vezes o valor do IAS (art. 140º, nº 2, do Código dos Regimes Contributivos).

Taxa contributiva a cargo dos trabalhadores independentes

As alterações também se fazem sentir no momento do pagamento das contribuições a cargo dos trabalhadores independentes, que vão passar a descontar menos. Assim, os trabalhadores independentes que antes descontavam 29,6% vão passar a descontar 21,4% (art. 168º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Mas a taxa contributiva também desce para os empresários em nome individual e para os titulares de estabelecimento individual de responsabilidade limitada e respectivos cônjuges, que de 34,75% passa para 25,2% (art. 168º, nº 4, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Cumpre sublinhar que estas alterações só produzem efeitos a 1 de Janeiro de 2019, pelo que as novas taxas só se aplicam a partir dessa data (cfr. art. 8º, nº1, do Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro). Já as alterações às taxas contributivas a cargo das entidades contratantes, bem como as alterações ao conceito de entidade contratante, previstas respectivamente nos arts. 168º nº 7 e 140º do Código dos Regimes Contributivos, produzem efeitos a 1 de Janeiro de 2018 ( art. 8º, nº 2, do Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Base contributiva apurada trimestralmente

O rendimento relevante continua a incidir sobre 70% do valor da prestação de serviços e sobre 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens. Porém, a partir de 2019, o apuramento do rendimento deixa de reportar-se ao rendimento relevante registado no ano civil imediatamente anterior ao momento de fixação da base de incidência contributiva – fixada anualmente no mês de Outubro – para passar a incidir sobre o valor do rendimento relevante do trimestre anterior.

Desaparece, assim, a lógica de apuramento com base nos escalões de rendimento relevante do ano anterior ou de há dois anos, passando a ser obrigatório proceder à declaração trimestral de rendimentos.

Com efeito, de acordo com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro, o nº 1 do art. 162º do Código dos Regimes Contributivos passa a dispor que “o rendimento relevante do trabalhador independente é determinado com base nos rendimentos obtidos nos três meses imediatamente anteriores ao mês da declaração trimestral, nos seguintes termos:

a) 70% do valor total de prestação de serviços;

b) 20% dos rendimentos associados à produção e venda de bens.”

O art. 5º nº 3 do Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro é claro ao referir, que a declaração trimestral a efectuar em Janeiro de 2019, nos termos do artigo 151º-A do Código dos Regimes Contributivos, tem por referência os rendimentos auferidos no trimestre imediatamente anterior. Por conseguinte, o posicionamento em escalões contributivos relativo ao final do ano de 2018, não obedecerá às novas regras, que só serão aplicadas a partir de 2019.

Também a possibilidade concedida ao trabalhador independente de ajustar o nível do seu desconto sofre alterações. Se antes o trabalhador, nos termos da lei, podia descer ou subir até dois escalões contributivos – e assim pagar menos ou, pagando mais, ver o seu nível de protecção ser aumentado –, o novo regime permite que o trabalhador, no momento da declaração trimestral, possa optar por fixar um rendimento inferior ou superior até 25%, o que pode ser feito em intervalos de 5%(art. 164º, nºs 1 e 2, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro). O direito de opção produz efeitos a 1 de Janeiro de 2019.

Contabilidade organizada

Um dos aspectos que tem levantado maior celeuma é a questão da sujeição ao regime de contabilidade organizada. O rendimento relevante do trabalhador independente abrangido pelo regime de contabilidade organizada, previsto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, corresponde ao valor do lucro tributável apurado no ano civil imediatamente anterior (art. 162º, nº 3, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

A base de incidência contributiva mensal corresponde ao duodécimo do lucro tributável, com o limite mínimo de 1,5 vezes o valor do IAS, sendo fixada em Outubro para produzir efeitos no ano civil seguinte (art. 163º, nº 3, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro). Estas regras produzem efeitos a 1 de Janeiro de 2019.

Ainda sobre os trabalhadores independentes abrangidos pelo regime de contabilidade organizada, o nº 2 do art. 5º do Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro determina que, em Outubro de 2018, estes trabalhadores serão notificados da base de incidência contributiva apurada com base no lucro tributável declarado para efeitos fiscais no ano de 2018, para exercerem o direito de opção previsto no nº 2 do artigo 164º do Código dos Regimes Contributivos.

Base de incidência e desconto mínimo de 20€

A base de incidência contributiva mensal dos trabalhadores independentes passa a corresponder a 1/3 do rendimento relevante apurado em cada período declarativo,produzindo efeitos no próprio mês e nos dois meses seguintes (art. 163º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Outra novidade é o facto de haver sempre lugar a uma contribuição mínima de 20€, mesmo nos casos de inexistência de rendimentos (art. 163º, nº 2, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro). Por outro lado, a base de incidência contributiva considerada em cada mês tem como limite máximo doze vezes o valor do IAS (art. 163º, nº 5, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

O valor de 20€ (que será actualizado de acordo com a actualização do IAS) é igualmente aplicável para efeitos de determinação de base de incidência, nas situações de início da produção de efeitos do enquadramento ou no reinício de actividade e até à primeira declaração trimestral (art. 165º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Tal só não ocorrerá se já se encontrar fixada base de incidência aplicável ao período (art. 165º, nº 2, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro). Estas regras produzem efeitos a 1 de Janeiro de 2019.

Enquadramento dos trabalhadores independentes

Embora o primeiro enquadramento continue a produzir efeitos no primeiro dia do 12º mês posterior ao do início de actividade e de o trabalhador independente continuar a poder pedir que o enquadramento produza efeitos antes dessa data, a produção de efeitos deixa de depender de o rendimento relevante anual do trabalhador ultrapassar seis vezes o valor do IAS (art. 145º, nº 1 e art. 146º, nº 1, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro), tendo sido revogado o nº 2 do art. 145º. O novo regime de enquadramento produz efeitos a 1 de Janeiro de 2019.

Ajustamento do prazo de pagamento

O pagamento da contribuição, que ao abrigo do anterior regime ocorria até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava, passa a ser efectuado entre o dia 10 e o dia 20, igualmente do mês seguinte àquele a que respeita (art. 155º, nº 2, do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro). O novo prazo de pagamento produz efeitos a 1 de Janeiro de 2019.

Isenção da obrigação de contribuir

A partir de 1 de Janeiro 2019, os trabalhadores independentes que acumulem a sua actividade com o trabalho por conta de outrem, para estarem isentos da obrigação de contribuir, têm de preencher mais dois novos requisitos, igualmente cumulativos, que se somam aos que já constam da lei.

Assim, para efeitos da referida isenção, o rendimento relevante mensal médio apurado tem de ser inferior a quatro vezes o valor do IAS (art. 157º, nº 1, al. a) do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro), devendo o valor da remuneração mensal média considerada para o outro regime de protecção social ser igual ou superior a 1 vez o valor do IAS (art. 157º, nº 1, al. a) iii) do Código dos Regimes Contributivos na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Os trabalhadores independentes também ficam isentos da obrigação de contribuir quando se verifique que a obrigação do pagamento de contribuições durante o ano anterior corresponde ao disposto no nº 2 do art. 163º, e enquanto se mantiverem as condições que determinaram a sua aplicação (art. 157º, nº 1, al. d) do Código dos Regimes Contributivos aditada pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Avaliação do regime e produção de efeitos

As alterações ao regime contributivo dos trabalhadores independentes são avaliadas no prazo de 12 meses após a data de produção de efeitos, que ocorre a 1 de Janeiro de 2019 (art. 7ºdo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro), sem prejuízo da notificação prevista no nº 2 do artigo 5º e do disposto no nº 2 do art. 8º, ou seja, das alterações que produzem efeitos a 1 de Janeiro de 2018 (art. 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Por último, é preciso não esquecer que até ao início da produção de efeitos das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro, ao Código dos Regimes Contributivos, mantém-se em aplicação a base de incidência contributiva fixada em Outubro de 2017 (art. 5º, nº 1 do Decreto-Lei nº 2/2018, de 9 de Janeiro).

Cristina Galvão Lucas é Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, possuindo também formação em Gestão de Recursos Humanos. Profissionalmente dedicou-se em grande medida à área do Direito do Trabalho e Relações Laborais, sendo formadora certificada pelo IEFP.

Este é um texto meramente informativo, sendo a informação nele contida prestada de forma geral e abstracta, pelo que não constitui nem dispensa a assistência profissional qualificada, não podendo servir de base para qualquer tomada de decisão sem a referida assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto.


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