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A qualidade das relações interpessoais: olhar para além do próprio umbigo

A qualidade das relações interpessoais que se estabelecem numa sociedade está diretamente relacionada com o nível de confiança, uma questão particularmente problemática em Portugal. A sociedade portuguesa apresenta níveis de confiança extremamente baixos que derivam de factores estruturais profundos e não de contingências passageiras, como a recente crise económica.

A confiança dos portugueses no governo é muito baixa, comparando com os restantes Estados Membros da União Europeia e, apesar de se ter agravado com a crise, já a precedia. Os portugueses também confiam pouco no Parlamento, nos partidos, na classe política e uns nos outros.

As causas

Questões complexas relacionadas com a forma como o sistema político português foi concebido e funciona explicam parcialmente estes elevados níveis de desconfiança, nomeadamente no que se refere à institucionalização de uma partidocracia que compromete seriamente o desempenho político e a qualidade da democracia em Portugal. A sempre adiada mas tão necessária reforma do sistema eleitoral, que promova uma aproximação entre eleitos e eleitores, poderá vir a colmatar esta tendência, se alguma vez se efetivar.

Outros aspetos enraizados na cultura portuguesa, como a prevalência de relações sociais hierarquizadas numa sociedade desigual, suportadas em dinâmicas de patrocinato e clientelismo, orientadas para objetivos individuais e afastadas de qualquer noção de bem comum, contribuem para este cenário.

Aprender a Democracia

Perante esta realidade preocupante, e como a participação democrática não se limita à esfera dos partidos, urge cada vez mais contribuir ativamente para a promoção da qualidade democrática por via da sociedade civil. O envolvimento cívico assume aqui um papel extremamente importante, tal como foi comprovado por estudos de relevo, com destaque para o trabalho seminal de Robert Putman sobre o Capital Social.

Este conceito que tanto se popularizou para além da academia refere-se às relações interpessoais, incluindo as redes sociais, as normas de reciprocidade e, naturalmente, a confiança interpessoal. As organizações da sociedade civil, como as associações, são um palco privilegiado para incutir hábitos de cooperação e civismo, para além de constituírem «escolas de democracia» nas quais os cidadãos aprendem a participar na vida pública.

Nos dias que correm, as novas tecnologias favorecem a criação de formas organizativas fluidas e virtuais. As redes sociais permitem a organização coletiva à distância em função de objetivos comuns, a qual pode originar movimentos sociais com maior ou menor relevância e consistência.

O movimento Mulheres à Obra

As Mulheres à Obra, nascidas enquanto um grupo de Facebook, enquadram-se nesta tendência. Enquanto movimento social pouco formalizado e bastante fluído, dão corpo à necessidade e à vontade de as mulheres empreendedoras se agregarem para debater questões de interesse comum. As diferenças geográficas, de rendimento, formação, ocupação ou outras que muitas vezes nos separam no mundo real, esbatem-se num mundo virtual que não diz «quem é quem» e assim promove o relacionamento entre iguais, se não de facto, pelos menos em direitos e oportunidades de participação.

Este efeito equalizador é um ponto de partida extremamente importante para a geração de uma comunidade cívica onde reina a confiança interpessoal e onde se combate o individualismo exacerbado. Quando mulheres diferentes se relacionam como iguais as clivagens sociais são ultrapassadas, os horizontes alargam-se e a consciência de bem comum aprofunda-se. Daqui resulta que cada mulher que se junta a nós, motivada que esteja pela promoção do seu próprio negócio, tem a oportunidade de se envolver numa arena de interação social que lhe permite dar e receber ajuda desinteressada e desenvolver sinergias numa lógica de reciprocidade e confiança. É o nosso contributo, ainda que modesto, para o desenvolvimento de uma comunidade cívica no nosso país.

Camila Rodrigues

Mulheres à Obra

Fotografia da Women’s March em Boston por Alice Donovan Rouse no Unsplash

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