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Desenvolvimento Pessoal  –  O cão que persegue a própria cauda?

Desenvolvimento Pessoal

Quer ser uma pessoa melhor? Não se preocupe, a resposta está mesmo ao virar da esquina, ou melhor, a um clique no rato.

Quem procura, e mesmo quem não procura, encontra facilmente uma vasta oferta de gurus, cursos, publicações, projetos, eventos e organizações que oferecem a fórmula garantida para o enriquecimento espiritual, a realização pessoal, o sucesso profissional, a concretização do seu potencial.

Quem consegue resistir? Ninguém que esteja na plena posse das suas faculdades mentais, ou seja, que tenha a capacidade para reconhecer os seus próprios limites e que deseje ultrapassá-los.

Quem nunca se deparou com aquela imagem emblemática de uma mulher / homem de costas, de braços abertos para o horizonte, no cimo de uma montanha que se supõe ter sido arduamente conquistada? Há algo mais inspirador do que ter o mundo aos nossos pés graças ao nosso esforço e mérito pessoal? Certamente que não.

Este movimento global poderá finalmente transportar a humanidade para um estádio superior de evolução, aquele estádio de felicidade suprema que realiza todas as nossas aspirações.

Onde está então o busílis da questão?

Determinadas criaturas incómodas, daquelas que têm a desagradável tendência para questionar tudo e mais alguma coisa, têm vindo a deitar um olhar reprovador a este movimento de desenvolvimento pessoal. Pode encontrar um apanhado de alguns destes críticos no artigo de Alexandra Schwartz no The New Yorker, sugestivamente intitulado “Improving ourselves to death”.

Estes autores sentem-se incomodados com diversos aspetos deste movimento, como o seu «otimismo predatório» desligado da realidade e o recurso a tarefas que apresentam uma relação custo-benefício duvidosa, sem esquecer a sensação de fraude que despertam, o individualismo extremo que induzem e a sensação de desadequação que provocam.

Last but not least, está o caráter consumista de um movimento que exige sempre mais da nossa mente e do nosso corpo e, claro, das nossas carteiras. Em suma, o movimento de desenvolvimento pessoal é visto por estes autores como um ato de coação que nos aprisiona num universo de objetivos irrealistas e desadequados face às nossas naturais imperfeições e necessidades humanas.

Será?

A noção do sucesso, da felicidade e do autoconhecimento como algo que está à nossa espera ao virar da esquina se cumprirmos uma série de procedimentos e obedecermos a um conjunto de fórmulas subliminarmente dogmáticas é algo que nos preocupa.

Não quer isto dizer que descartamos em absoluto o interesse de algumas destas propostas. O desenvolvimento pessoal pode ser uma via importante a explorar em determinados momentos da nossa vida, que nos abre novos horizontes e possibilidades. Mas deve ser levado com peso e medida, sem fundamentalismos nem obsessões. E, claro, não podemos ser excessivamente crédulas; é fundamental tomar em conta a qualidade dos profissionais com que nos deparamos numa área que está na moda.

Sobretudo, a busca pelo desenvolvimento pessoal não nos deve conduzir ao desprezo pelo que nos rodeia. Enquanto nos focamos no self, não devemos esquecer que as conceções de sucesso e bem-estar que interiorizámos foram em grande medida socialmente construídas. Compreender as subtilezas inerentes a esse processo de construção é por isso fundamental para que consigamos discernir as suas verdadeiras causas e consequências.

Não podemos ignorar os mecanismos sociais, culturais e políticos subjacentes à nossa realidade pessoal. O caminho para o autoconhecimento e o auto-aperfeiçoamento, na medida em que é possível e desejável face às nossas reais necessidades, competências e aspirações, não pode ser descontextualizado.

Não devemos bocejar de aborrecimento de cada vez que nos deparamos com informação sobre o contexto político, ou relativo aos constrangimentos económicos que modelam a nossa sociedade, se depois esperamos aumentar o nosso nível de autoconsciencialização.

Compreender o todo é fundamental para conhecer as partes. Afinal, como nos podemos conhecer a nós próprios se permanecemos na ignorância daquilo que nos rodeia? E, acima de tudo, como podemos melhorar enquanto pessoas se não melhorarmos enquanto sociedade?

Camila Rodrigues

Mulheres à Obra


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