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Ética empresarial e transparência nos negócios

Uma situação que experienciei recentemente motivou-me a publicar este desabafo. O meu caso já está perdido e não há nada a fazer, mas acredito que é importante expor publicamente este tipo de situação, para que se reflita sobre um problema que mais tarde ou mais cedo pode bater à porta de qualquer um de nós.

No nosso dia-a-dia lidamos regularmente com uma infinidade de agentes económicos. Por vezes são micro ou pequenos negócios que nos fornecem produtos ou serviços. Neste caso, a relação com o cliente, que somos nós, apresenta um certo equilíbrio de forças.

É comum, nestes casos, lidarmos directamente com a pessoa responsável, que pode ser um ENI ou mesmo o gerente de uma pequena equipa. Caso haja respeito mútuo, estas relações costumam correr bem.

Mesmo quando há um problema com o produto ou o serviço prestado, o diálogo e o bom senso permitem frequentemente a resolução da questão sem dificuldades de maior, pois a cadeia hierárquica é pequena e a pessoa com quem tratamos diretamente tem poder de decisão ou pode chegar facilmente a quem tem esse poder.

Quando este respeito não existe, a situação pode ser mais complicada. No entanto, havendo uma relativa igualdade de recursos entre ambas as partes, ambas terão uma oportunidade equivalente de ativar os mecanismos legais em sua defesa, o que irá favorecer um desfecho justo.

O Golias vence sempre

No entanto, o mesmo não se passa com as grandes empresas. Os gigantes económicos possuem recursos absolutamente desfasados dos que são detidos pelo cidadão comum. Aqui, não lidamos com os responsáveis pela empresa, para os quais nós somos um simples grão de areia.

Lidamos com departamentos especializados em cada área do negócio, os quais podem fornecer produtos ou serviços com mais ou menos qualidade. Mais uma vez, se estas empresas tiverem em consideração elevados padrões de transparência, ética e serviço ao consumidor, estão reunidas as condições indispensáveis para que a relação comercial se processe da melhor forma.

No entanto, quando não é este o caso, o consumidor corre sérios riscos de ser lesado, com poucas hipóteses de se defender adequadamente numa relação de forças absolutamente desigual. A história do David e do Golias apenas funciona na ficção e na realidade as coisas são bem mais complexas.

Fazer face a um departamento comercial que pauta a sua atuação pela falta de ética e de transparência, mas que é apoiado por um serviço jurídico altamente qualificado, pode ter consequências catastróficas para o consumidor, dando origem a relações comerciais muito desequilibradas em favor de uma das partes e em prejuízo da outra.

Acabei de sentir isto na pele. Apesar de ter tentado desesperadamente ativar o apoio do Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo e os Julgados de Paz, ao mesmo tempo que trato de uma filha pequena, dou apoio a uma mãe idosa, giro uma empresa, sou presidente de uma associação e coordeno uma comunidade online com mais de 160 000 membros, fui completamente siderada pela celeridade e competência do departamento jurídico de uma grande empresa na área automóvel.

Enquanto eu andava feita barata tonta para trás e para a frente a tentar perceber como elaborar uma Petição Inicial, as minhas contas e as da minha mãe foram penhoradas sem aviso prévio, tendo o meu agregado familiar, que inclui uma criança pequena, ficado sem um único tostão de um momento para o outro. Como resultado, tive um prejuízo superior a 5000€, ficando a empresa a beneficiar deste valor em detrimento do meu parco património familiar, o que para mim representa uma verdadeira catástrofe e para eles é uma mera gota de água.

Para que estas situações não se repitam, deixo aqui um apelo a todas as empresas, mas sobretudo às grandes empresas que tanto poder e recursos detêm na nossa sociedade, e que por isso devem ter uma elevada noção de responsabilidade, ética e transparência. Por favor, considerem as dicas que aqui deixo e não esmaguem os vossos clientes, apenas porque o podem fazer.

1.Praticar a honestidade

A honestidade nos negócios envolve sobretudo a obediência à lei, mas pode ir mais além. Devemos implementar um estilo de comunicação objetivo e assertivo, que evite equívocos e mal entendidos.

Devemos deixar sempre muito claros os termos da negociação, esclarecer as dúvidas e adotar procedimentos que sejam facilmente compreendidos e respeitados pelos parceiros e clientes.

A transparência é um fator importante a considerar e tenho o meu exemplo como estudo de caso. Se eu tivesse sido informada à priori sobre o valor inerente à entrega de uma viatura no final de um contrato de aluguer de longa duração, teria optado por ficar com a viatura.

No entanto, quando descobri que o suposto valor residual ascendia a vários milhares de euros, não me foi dada qualquer hipótese de voltar atrás na decisão de entrega, mesmo tendo solicitado a mesma imediatamente.  

Se a empresa pautasse a sua atuação por princípios de transparência, nem seria processualmente possível que o cliente não tivesse acesso prévio a toda a informação relevante, antes de tomar uma decisão.

2. Procurar o equilíbrio

O nosso principal objetivo em todos os momentos da relação comercial, seja como fornecedor ou cliente, deve ser este: que os produtos ou serviços sejam transacionados pelo seu justo valor. Só assim o equilíbrio e a reciprocidade estão garantidos.

Quer isto dizer que não devemos procurar tirar vantagem da ingenuidade, inexperiência, desespero ou desconhecimento dos nossos clientes para realizar relações comerciais em seu prejuízo.

Foi precisamente o que não aconteceu no meu caso. A empresa conduziu a negociação comigo sem me revelar à priori todos os factores indispensáveis para uma tomada de decisão informada. Quando finalmente os revelou, não me permitiu reverter a minha decisão e tive que manter uma escolha que claramente me prejudicou.

Resumindo e concluindo

Resumindo e concluindo, devemos considerar que a prática diária da integridade e da reciprocidade, se for realizada por uma maioria das pessoas, vai trazer grandes benefícios para todos. Podemos ganhar menos no imediato, mas vamos ganhar muito mais a médio e longo prazo. Está cientificamente provado que as sociedades com maior nível de confiança e reciprocidade são mais prósperas e apresentam uma maior qualidade democrática.

Quanto muito, é infinitamente mais agradável viver numa sociedade em que podemos confiar uns nos outros, do que numa sociedade em que temos que estar sempre a olhar por cima do ombro.  

Camila Rodrigues – CEO Mulheres à Obra

Imagem de Mohamed Hassan por Pixabay

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