Vida O Regresso do Tricot – por um consumo sustentável Publicado em 22 de Maio, 2023 À volta do Tricot Na casa onde nasci e cresci, sempre vi a minha mãe e a minha avó Maria dedicarem-se a várias artes manuais. A minha mãe preferia o Tricot e o Ponto Cruz, já a minha avó gostava de costurar, bordar e fazer Croché. Eram tempos muito diferentes, com hábitos de consumo também muito diferentes dos de hoje. Nem duas décadas haviam passado sobre o final da II Guerra Mundial, durante a qual até os produtos alimentares mais essenciais não estavam disponíveis, ainda que se dispusesse de dinheiro para os comprar. Havia senhas de racionamento e era necessário esperar horas em longas filas para se conseguir um pouco de manteiga ou de farinha. O vestuário era confeccionado por modistas e, na maioria das vezes, pelas próprias pessoas, que desenvolviam esse conhecimento, pela necessidade de não gastar recursos, que eram escassos até para a compra dos fios e dos tecidos, e havia pouca variedade disponível, comparativamente com os dias de hoje. A minha mãe conta-me que só tinha dois vestidos novos por ano, para usar nos fins de semana. Nos dias de semana usava os vestidos do ano anterior e assim sucessivamente. E havia quem nem isso tivesse. As roupas eram remendadas, acrescentadas, passajadas. Um mudança cultural Nessa época, havia essa cultura de poupar, reaproveitar, nada era desperdiçado. Lembro-me que, de qualquer restinho de pano, a minha avó fazia uma obra de arte. O tempo gasto a produzir essas peças não era o mais valorizado, mas sim os recursos que eram escassos. E o mesmo se passava em muitas casas, em muitas famílias. Quem não tinha uma camisola feita pela avó, pela mãe, por uma tia. E essas várias técnicas iam passando de geração em geração e assim perduravam, até que deixou de ser moda. Aquilo que até aí constituía uma virtude passou a ser uma atividade menor, e a sua prática frequentemente associada a pessoas com baixa capacidade intelectual e elevada idade, para além de ser conotado com baixo poder económico. Lembro-me de eu e as minhas amigas nem sequer confessarmos que fazíamos Tricot, para não sermos ridicularizadas e obtermos o invariável comentário: “Mas isso é coisa de velhas”. E assim se foram perdendo estes hábitos, e essa tradição deixou de ser passada de mães para filhas; havia-se quebrado a cadeia. A Era do Desperdício Começámos a entrar na era do “compra, usa e deita fora”. Com o aparecimento do pronto-a-vestir, as mais variadas peças de vestuário passaram a estar disponíveis e a ser de fácil acesso. E o Tricot passou de moda. Para quê passar horas a fazer uma camisola, se bastava ir à loja e escolher a que preferimos? Vestir, experimentar várias e escolher a nossa preferida, sem ter que estar à espera de ver se a camisola resultante do nosso trabalho de Tricot seria ou não do nosso agrado depois de vestida. Mas a vida vai correndo, depois de uma época vem outra e as memórias ressurgem sempre. As modas vão e voltam. E as pessoas voltaram a lembrar-se das camisolas que as suas mães, avós ou tias faziam. E voltaram a querer aprender. Mas com quem? A mãe não tinha querido aprender e a avó, infelizmente, já cá não está para poder ensinar. O Regresso às Origens Então, começaram a surgir as mais variadas formas de aprender, desde os Workshops aos Cursos de Tricot. E a moda voltou. As pessoas voltam a ter vontade de ter aquelas camisolas fofinhas, confortáveis e lindas que só o Tricot Manual pode criar. No entanto, e apesar disso, quem se dedica a produzir aquilo que podem ser verdadeiras obras de arte não consegue facilmente comercializá-las, uma vez que sistematicamente se tem a expectativa que elas tenham o mesmo valor que uma peça produzida industrialmente. E não há comparação possível. De que se faz uma camisola tricotada? Faz-se de dedicação, do tempo utilizado a fazê-la. Dos pensamentos em que vagueamos enquanto a tricotamos. Quantas vezes visto uma camisola tricotada por mim e relembro do contexto no qual vivia nessa época, as minhas preocupações e anseios… até dos sons e dos cheiros desses momentos. Valorizar a Liberdade Criativa Faz-se também de liberdade. De podermos ter mil fontes de inspiração, mas a liberdade de fazer as nossas escolhas. Pois é, vi numa montra uma camisola que até me agradou. Entrei na loja e experimentei: não gostei do toque da lã, nem do comprimento, nem das cores disponíveis. Então, até onde vai a minha liberdade? Até à escolha da composição do meu fio preferido, das cores, das agulhas com que a vou tricotar. Mais grossas ou mais finas, para a malha ficar mais fluida ou mais estruturada. Da largura, do comprimento, dos pontos, dos pormenores. Uma camisola faz-se de criatividade sem limites, de exclusividade. Se quisermos, a nossa camisola pode ser diferente de qualquer outra. Pela forma, pelos pontos escolhidos, pela combinação de cores. Agora vamos pensar apenas no fio. Que antes de começarmos é apenas um fio, quase bidimensional. Mas que se vai enrolando nas agulhas. Primeiro na montagem das malhas e depois enquanto vai crescendo, numa estrutura mais ou menos complexa, até se criar uma das partes de uma camisola, depois mais outra e mais outra. Tudo isto apenas com um fio. É quase mágico como apenas um fio se pode tornar numa peça que nós podemos vestir. Agora falemos de nós, da volta que a vida deu, do consumo excessivo que deu origem ao desperdício de recursos, ao excesso de lixo e à necessidade de fazermos escolhas que promovam a sustentabilidade das nossas vidas. E é aqui que o Tricot está de volta. Uma camisola feita com um fio de qualidade dura-nos décadas, sempre em bom estado. O Tricot está de volta, brindemos à volta do tricot. Demos valor às voltas de que o Tricot é feito e falemos à volta dele o suficiente para o conhecer na sua essência. Para conhecermos os benefícios da sua prática, para conhecermos o benefício de tricotarmos e usarmos uma camisola de tricot. Manuela Carrondo – Arca Mágica Imagem de Qwry por Pixabay
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