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Vida Familiar versus Vida Profissional

Carreira e Família

Anda por aí a circular um estudo que afirma que a maioria dos portugueses não sente dificuldades em conciliar a vida familiar com a vida profissional.

Não aprofundei quais as variáveis que foram tidas em conta e de que forma chegaram a essas conclusões, mas estou bastante segura de que este estudo terá sido bastante mal conduzido.

Preocupam-me estas conclusões fáceis e rápidas que saem nos títulos dos jornais e que acabam por normalizar um ritmo social que está completamente desfasado das necessidades afectivas das famílias e sobretudo das crianças. Não é essa a realidade que se observa no dia a dia. Não é isso que ouço das bocas da maioria das pessoas que tem filhos, sobretudo filhos pequenos.

Aquilo que me vem aos ouvidos é que tanto pais como filhos passam demasiado tempo afastados no quotidiano, que as crianças acabam por passar muitas horas nos colégios ou nas escolas e que quando se chega ao final do dia, sobra pouco mais do que dar banhos, jantar e ir para a cama.

Certamente que existirão famílias que sentem que isso é suficiente, que o conceito de conciliar é este, ou seja, que tarefas concluídas no trabalho e em casa significa que está tudo controlado. Mas muitas outras passam anos com a frustração de não acompanharem os filhos de outra forma, de não poderem estar mais presentes não só no que é preciso fazer do ponto de vista prático, mas para que as conexões entre os elementos das famílias fiquem mais fortes. E isso é algo que só o tempo de quantidade traz.

Enganam-nos e dizem-nos que o importante é o tempo de qualidade.

Sim, antes pouco tempo de qualidade do que muito tempo sem qualidade. Mas na minha opinião o tempo de quantidade é fundamental e para isso precisamos, enquanto cidadãos, de nos mobilizar, de nos fazer ouvir para que o mercado de trabalho altere as suas visões de produtividade, para que o nosso país deixe de ser aquele em que o normal é fazer horas extra e em que o bom trabalhador é o que veste a camisola da empresa, colocando-a à frente da família.

Há também uma espécie de sobrevalorização das mães que não cumprem as licenças de maternidade ou que trabalham doze horas por dia e, não querendo retirar-lhes o mérito e a importância da mulher se destacar num mundo laboral que ainda é dominado por homens, preocupa-me que na nossa sociedade o sentido de valor de uma pessoa seja tão marcado pelo seu sucesso profissional, fazendo com que muitas destas mulheres acreditem que estão a fazer o melhor mesmo quando todos os seus instintos lhes estão a dizer o contrário.

Eu, desde o nascimento da minha segunda filha, tenho tido dificuldade em conciliar a minha vida familiar com a minha vida profissional. Uma série de circunstâncias sobre as quais não vale a pena alongar-me fizeram-me chegar ao ponto de perceber muito claramente que estava a perder o crescimento dos meus filhos.

Há dias em que, pelo facto de ter horários diferentes dos da maioria das pessoas, simplesmente não os vejo.

Foi preciso o mais velho chegar aos 5 anos de idade e a mais nova aos 3 anos de idade para ganhar a lucidez de que a este ritmo eles chegariam à adolescência e eu me iria arrepender de não ter feito diferente. A rapidez com que o meu primeiro filho chegou aos 5 anos fez-me acordar e, a partir do inicio do próximo ano, reestruturarei a minha vida profissional e passarei mais tempo com eles.

Muitas pessoas não têm esta possibilidade e precisam de encontrar paz naquilo que é possível, desfocando-se do que consideram o ideal e tirando o maior proveito daquilo que são as suas circunstâncias. Não ganhamos nada em ficar retidos na culpabilidade.

Mas falo sobre isto porque sei que muitas outras estarão no limbo em que já estive, sei que muitas pessoas não se revêem nesse estudo simplista que saiu e sei que muitas pessoas lá no fundo sabem que se fizerem algumas alterações, definirem prioridades e se desprenderem do que sempre acharam importante e afinal não é assim tanto, poderão dar um salto.

É incrível como vivemos num mundo em que nos fazem acreditar que precisamos de coisas que não são essenciais. Como se fosse uma linha de montagem em que todos têm de adquirir/alcançar as mesmas coisas no mesmo espaço de tempo. Cabe-nos também a nós tentar mudar isso.

Ana Rita Dias

Psicóloga Clínica e do Aconselhamento

Fotografia de Kevin Schmid no Unsplash

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