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Como vivem as mulheres em Portugal

Mulheres em Portugal

O Dia Internacional da Mulher é aquele dia especial no ano em que as questões da igualdade de género e das condições de vida e de trabalho das mulheres assumem particular relevância para as entidades públicas, a comunicação social e a opinião pública em geral.

É por isso oportuno aproveitar esta ocasião para partilhar alguns resultados preliminares do nosso Inquérito à Situação das Mulheres em Portugal, o qual está a decorrer desde o início deste ano e conta até ao momento com 882 respostas. O inquérito destina-se a todas as mulheres adultas residentes em Portugal, independentemente da sua nacionalidade ou situação profissional.

A nossa metodologia passa por tentar obter o maior número possível de respostas, pelo que temos apostado na divulgação nas redes sociais e entre entidades congéneres. Apesar das respondentes não corresponderem a uma amostra representativa das mulheres portuguesas, os resultados são claramente indicativos de problemáticas que merecem visibilidade e reconhecimento.

Nível de escolaridade versus rendimento

Um dos aspectos que sobressaem prende-se com a relação entre o nível de escolaridade e o rendimento. Historicamente tem-se observado uma relação de causalidade direta entre estas duas variáveis, ou seja, a maiores níveis de escolaridade correspondem maiores níveis de rendimento.

Esta relação mantém-se, no entanto, apesar de 69% das mulheres que responderam ao nosso inquérito possuírem formação superior, 52% possui um rendimento líquido mensal inferior a 1000€, sendo que 15% têm um rendimento inferior a 500€ mensais, incluindo-se aqui aquelas que têm formação superior.

Estes dados colocam muitas mulheres licenciadas abaixo do limiar de pobreza, sendo que não chegam sequer a auferir de um salário mínimo. Ou seja, contrariamente ao que parecia acontecer num passado recente, a aposta na formação superior não é hoje garantia de fuga à pobreza, particularmente para as mulheres que, apesar de possuírem resultados académicos e níveis escolares superiores aos homens, continuam a ter rendimentos mais reduzidos.

Este facto obriga a repensar as opções de vida e de estudos, com muitas mulheres a efetuarem mudanças drásticas de carreira e a apostarem na formação ao longo da vida, fora do contexto universitário. As soft skills assumem uma relevância crescente, assim como as aprendizagens informais e a experiência prática adquirida no decurso da carreira profissional.

Ainda e sempre a desigualdade de género

É óbvio que atravessamos um momento particularmente desafiante, em que no rescaldo de uma pandemia nos deparamos com uma guerra às nossas portas, o que afeta todos os cidadãos. No entanto, estas contingências irão naturalmente afetar mais quem já se encontra numa situação de maior vulnerabilidade.

Como é possível verificar no gráfico seguinte, a perceção geral de desigualdade entre homens e mulheres na sociedade Portuguesa, por parte destas, é ainda muito persistente e remete para questões culturais muito enraizadas, que os comentários colocados no questionário permitem vislumbrar.

1 corresponde a discordo inteiramente e 5 corresponde a concordo totalmente

Um testemunho deixado no questionário permite compreender como a desigualdade salarial e de condições laborais ainda afeta a nossa sociedade:

“Sou responsável de produção e tenho um salário muito inferior ao colega masculino com a mesma categoria. Apesar da diferença salarial é cobrado muitos mais deveres a mim como mulher e não tenho os mesmos direitos (para além da igualdade salarial, não tenho direito a transporte por parte da empresa que ofereceu a colegas do sexo masculino com categoria igual)”.

Como este testemunho permite constatar, a discriminação de género no trabalho é ainda uma realidade que merece um estudo aprofundado e medidas concretas de intervenção. Sobretudo, é necessário trabalhar para alterar mentalidades e empoderar as mulheres para que tenham voz e a possam exercer de forma efetiva junto das entidades responsáveis, para que situações como esta não se perpetuem com impunidade.

A irrelevância política das empreendedoras

Apesar da sua gravidade e persistência, a desigualdade salarial e laboral explica em parte, mas não totalmente, a fragilidade económica das mulheres em Portugal. Mantém-se a predominância das mulheres no trabalho não remunerado de cuidado do lar e no apoio à família, o qual não é social nem economicamente reconhecido e compromete a disponibilidade laboral das mulheres que o executam.

“Tive de abandonar o meu trabalho para tomar conta da filha deficiente, sem compreensão da doença pela parte médica nem escolar, tive de lutar sozinha para ela ser quem é hoje. Caminho difícil com muitas portas fechadas ainda nos dias de hoje ou faço eu o trabalho ou ela fica excluída da sociedade”.

O empreendedorismo é uma via encontrada por muitas mulheres para gerir esta situação, dado que supostamente permite um maior poder de decisão sobre onde, quando e como se trabalha, além de permitir a fuga a situações laborais desfavoráveis ou uma alternativa ao desemprego. No entanto, esta não é uma via segura para a sustentabilidade financeira e para a compatibilização entre a família e o trabalho.

Das respondentes que gerem o seu próprio negócio, 63% indicam um volume de negócios anual inferior a 20 000€. A mesma percentagem de 63% aplica-se aos negócios que não conseguem cumprir as suas responsabilidades financeiras durante um único mês, caso não efetuem novas vendas.

Apesar da sua enorme fragilidade, 86% destes negócios nunca receberam qualquer tipo de apoio, público ou privado. Nos raros casos em que foi concedido algum apoio, este refere-se maioritariamente à medida de apoio à criação do próprio emprego do IEFP, o qual se traduz meramente numa antecipação das prestações de desemprego.

Websummit
Representantes das Startups apoiadas pelo governo na abertura da Websummit em 2019, onde se destaca a ausência das mulheres

Paralelamente a esta ausência de apoio público ou mesmo privado, verifica-se uma carga fiscal que exerce uma pressão muito intensa sobre estas empreendedoras, o que sobressai de forma muito marcante nos inúmeros comentários colocados sobre esta questão.

“Há 3 anos iniciei-me como ENI, mas a segurança social estava a levar-me os poucos rendimentos que eu conseguia, encarando toda a faturação como rendimento e não como venda de produtos (que eu tenho de pagar para revender). Passei então para empresa Unipessoal, Lda. Sinto que apenas levei mais tempo a chegar ao buraco. Não sei para onde me virar com tantas coisas obrigatórias a pagar constantemente e das quais não vejo retorno. Sinto que tenho um empregado que nunca recrutei ou contratei, que recebe o ordenado que seria suposto ser meu (pois eu nem remuneração consigo tirar para tentar pagar contabilidade organizada e afins) e que nem trabalha ou me ajuda em nada. É super frustrante e neste momento sinto-me desesperada e sem saber o que fazer”.

É aqui manifesta a fragilidade dos micro negócios em Portugal, independentemente do género de quem os gere. Este facto reverte para uma ausência de representação, sendo que 93% das respondentes referem não existir qualquer entidade que represente os seus interesses enquanto empreendedoras/empresárias.

“As mulheres podem e devem ser mais apoiadas, mais interventivas e sobretudo mais cooperantes umas com as outras. Talvez por todas as razões atrás mencionadas e porque continuamos a ser o suporte das nossas famílias não tenhamos tempo para fazer parte da politica e não sejamos tão visíveis no mundo que queremos mudar, mas ainda não conseguimos”.

Resumindo mas não concluindo

Estamos ainda muito longe do número de respostas que desejamos alcançar para dar voz e visibilidade à situação das mulheres em Portugal. No entanto, os dados preliminares aqui apresentados já permitem vislumbrar alguns dos desafios que as mulheres estão a enfrentar. Ao que foi aqui referido, acresce a dificuldade no acesso à habitação, a desconfiança face à classe política e um desencantamento generalizado com a situação económica que o país atravessa.

Acreditamos que estamos no momento chave para agir, no sentido de alterar estas tendências preocupantes. Sobretudo, é necessário um maior reconhecimento e apoio das entidades públicas face ao cuidado informal, aos nano e micro negócios e à igualdade de género na economia. As mulheres em Portugal não podem ser apenas reconhecidas no Dia Internacional da Mulher; o reconhecimento tem que ser diário, consistente e persistente, para que as mudanças efetivas cheguem e se traduzam na construção de uma sociedade mais justa e próspera para todas as cidadãs e todos os cidadãos.

És mulher, adulta, e resides em Portugal? Responde AQUI ao nosso questionário

Imagem de Victoria_Watercolor por Pixabay

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