Home Artigos Empreendedorismo Combater a Desigualdade de Género – Um longo caminho a percorrer

Combater a Desigualdade de Género – Um longo caminho a percorrer

A desigualdade de género é ainda uma realidade no nosso país e reflete-se na situação laboral de muitas mulheres, que se debatem com salários reduzidos e dificuldades na conciliação entre o trabalho e a vida familiar.

A adoção de uma lei que visa a promoção da igualdade remuneratória entre os sexos e a criação de um Barómetro que mede o progresso efetuado são medidas importantes, mas não suficientes, para abordar esta questão complexa e profundamente enraizada no nossos tecido social.

Por parte da sociedade civil, surgem iniciativas interessantes que procuram desconstruir os tabus e eliminar as barreiras que comprometem as oportunidades laborais das mulheres. Fomos conhecer duas destas iniciativas, que constituem sem dúvida um exemplo a seguir e que merece o devido reconhecimento.

Projeto Mommypreneurs

Catarina Casadinho e Catarina Reis (Madan Parque)
Gestoras de Projecto (Desenvolvimento, Criação de Conteúdos, Comunicação)

Em que consiste o Projeto Mommypreneurs?

Em 2016, o desemprego jovem dentro da UE foi de 14,7% e de 11,2%, nos jovens entre os 25 e os 29 anos. Apesar das tendências positivas, o acesso ao mercado de trabalho digno, na Europa, continua a ser um desafio para os jovens, colocando-os em risco de pobreza e exclusão social. Além disso, segundo a OCDE, existem lacunas substanciais nas taxas de emprego entre homens e mulheres, num diferencial de 20,6% a desfavor das mulheres.

As mulheres jovens que têm crianças ao seu cuidado são um dos grupos mais vulneráveis. 20% das mulheres que não trabalham dizem que as responsabilidades de cuidar as retêm nesse sentido. Segundo a EHRC [i] (Reino Unido), anualmente mais de 7% das mulheres perdem os seus empregos devido à gravidez, 45% sofrem de algum tipo de perda financeira e 50% são menos propensas a serem promovidas.

As jovens mães que retornam ao trabalho também dependem em grande parte das suas competências e habilitações gerais. Enquanto que 94,6% das mulheres que desempenham altos cargos retornam ao trabalho após a licença de maternidade, apenas 56,8% com cargos mais baixos o conseguem. Além disso, 75% das mães são menos propensas a serem contratadas, por terem a seu cargo um bebé.

Numa prespectiva de resolução deste problema, o projecto Mommypreneurs tem como principal objectivo fortalecer as competências dessas jovens mulheres, inactivas e/ou em licença de maternidade e/ou a cuidar de crianças, habilitando-as com novas competências digitais e/ou empreendedoras, de modo a melhorar o seu potencial em reentrar no mercado de trabalho ou iniciar um negócio próprio, aumentando assim a sua independência e autonomia.

O projecto Mommypreneurs é constituído por um consórcio de 8 parceiros experientes em Empreendedorismo em toda a Europa e irá testar um programa inovador de desenvolvimento de competências digitais e de empreendedorismo social, formando cerca de 1050 jovens mães em 7 países europeus, garantindo ampla especialização, um histórico sólido e a futura replicabilidade do projecto.

O projecto será implementado nos seguintes países:  Espanha, Chipre, Portugal, Roménia, Itália, Polónia e Lituânia. Embora os desafios nesses países sejam diversos, todos enfrentam problemas semelhantes de desemprego e perturbações de carreiras, principalmente nas mulheres que se encontram nas situações acima referidas.

Porquê este target?

A licença de maternidade torna as mulheres mais suscetíveis ao abandono do mercado de trabalho ou ao congelamento do desenvolvimento de sua carreira. Isso contribui para o desemprego de muitas jovens mulheres que encontram dificuldade em manter ou encontrar um emprego após o parto e a licença-maternidade. Além disso, existe ainda uma lacuna salarial significativa que poderia ser mitigada pelas mulheres que adquirem competências em TIC. Por outro lado, a falta de mulheres empresárias ou CEOs em comparação com os homens, pode ser mitigada incentivando e apoiando o empreendedorismo feminino.

Quem pode concorrer e como o pode fazer?

As mulheres jovens em geral, uma vez que é necessário e importante apresentá-las a novas oportunidades laborais, assim como aumentar a sua empregabilidade, capacitá-las de competências empreendedoras, sempre com o intuito de motivá-las a terem filhos e serem mães!

Mulheres inactivas com crianças ao seu cuidado, com o intuito de informá-las das boas oportunidades existentes para continuarem a desenvolver as suas competências laborais e/ou trabalhar ao seu próprio ritmo quando for conveniente;

Jovens mães desempregadas que perderam empregos ou interromperam o emprego após a licença de maternidade, dando-lhes acesso a informação sobre as possibilidades existentes e o seu direito em ingressar o mesmo ou um novo emprego;

O projecto Mommypreneurs terá a duração de dois anos, e estamos ainda na fase inicial. Mais informação sobre o método de candidatura será divulgada ainda no decorrer deste ano (2019).

Quais os critérios para a seleção das mulheres que irão integrar o projeto?

Em primeiro lugar, será desenvolvida e implementada uma campanha de comunicação, a qual informará o grupo alvo sobre os objectivos do projecto, alcançando desde modo uma massa crítica de candidatos ao programa.

Após a candidatura inicial serão realizadas entrevistas para seleccionar as participantes e determinar o programa de formação mais adequado. O grupo-alvo poderá escolher entre dois programas, dependendo das suas preferências curriculares:

  1. 1. Formação em empreendedorismo:
  • iniciar um negócio próprio;
  • iniciar negócios digitais (por exemplo, e-shop);

A participação neste programa fornecerá competências e conhecimentos (jurídicos, financeiros, de marketing, operacionais, de networking) necessários para desenvolver ideias de negócios, lançar startups e comercializar produtos/serviços.

2.Formação em competências digitais (eCommerce e Web Design):

A participação neste programa dará competências a freelancers para prestação de serviços digitais e capacitação em ferramentas de TIC, numa perspetiva de melhoria de carreira. Os tópicos a ser abordados incluirão as noções e ferramentas digitais mais exigidas no mercado de trabalho actual, não sendo necessário ter um histórico anterior em TIC.

Além disso, serão desenvolvidas medidas para a sustentabilidade dos resultados do projecto, após o seu término:

  • conectar estas futuras mulheres empreendedoras com empreendedores experientes, investidores, mentores, formadores, incubadoras de empresas, aceleradores, centros de emprego, organizações de intercâmbio de trabalho e decisores políticos;
  • Informá-las sobre os vários programas de apoio à empregabilidade, a nível regional, nacional e internacional;
  • conectar as formandas em TIC às redes de empresas TIC, empregadores TIC, PMEs locais, etc.

Que resultados esperam alcançar?

O Mommypreneurs visa criar uma abordagem inovadora para reduzir o desemprego destas jovens mulheres, através do desenvolvimento de currículos e de programas de formação, entre outras actividades que serão criadas ao longo do projecto, garantindo assim a sua sustentabilidade, aplicabilidade e replicabilidade após o término do projecto.

Este projecto visa incrementar a participação de jovens mães na sua formação, comprometendo formar 700 mulheres em competências digitais (eCommerce & Web Design) e 350 mulheres em empreendedorismo;

Espera-se que cerca de 70% das graduadas em competências digitais consigam garantir cargos de trabalho ou dêem início a um trabalho como freelancers e que, pelo menos, 35 novos postos de trabalho sejam  criados através da formação em empreendedorismo, entre os 7 países de consórcio.

Para garantir a participação e envolvimento das mães, serão assegurados serviços gratuitos de babysitting no local e serão fornecidos gratuitamente os materiais de formação.

Através do desenvolvimento de actividades inerentes ao tema e eventos de networking, assegurar-se-á uma ligação entre as jovens mães e stakeholders relevantes. A participação no programa Mommypreneurs levará a uma melhor situação de emprego deste grupo alvo.

Estão previstos mecanismos de apoio à sustentabilidade, a médio e longo prazo, dos negócios criados?

A sustentabilidade duradoura do conceito do Mommypreneurs será garantida através dos seus resultados ambiciosos, os quais serão activamente disseminados para a sociedade, e activamente debatidos entre decisores e autoridades públicas, numa prespectiva de estas receberem mais apoio financeiro.

Como os problemas associados aos papéis e responsabilidades familiares e, como tal, emprego das mães jovens, são extremamente sensíveis do ponto de vista cultural, a cooperação transnacional é essencial para desenvolver uma solução universal completa, testada em diferentes contextos nacionais, aumentando a confiabilidade dos resultados do projecto e o potencial de replicabilidade do mesmo.

Pretende-se com este projecto alertar a sociedade em geral sobre esta questão tão real, divulgando informações e evidências dos benefícios trazidos pelos programas que serão implementados, contribuindo assim para a diminuição do desemprego destas mulheres e mitigação do actual estigma social que é o direito a ser mãe!

Projeto Girls in Tech

Marta Quadros Brito (FCT-Nova)
Project Manager

Em que consiste o Projeto Girls in Tech?

A Girls in Tech é uma iniciativa que pretende promover a discussão entre alunas do Ensino Secundário e Superior sobre o que significa estudar STEM (Science, Technology, Engineering, Maths) na Universidade, e assim contribuir para aumentar a diversidade de género nestes cursos.

Queremos organizar apresentações em escolas para levar o mundo da Engenharia a mais de 1.000 alunas do Ensino Secundário e criámos um chat-fórum online onde elas podem interagir com alunas do Ensino Superior, esclarecer dúvidas e explorar opções de carreira dentro destas áreas ligadas à Tecnologia.

Lançámos uma campanha para financiar a ideia na Unistarter, a plataforma de crowdfunding de projetos académicos, e conseguimos, antes do tempo previsto, obter um financiamento 25% acima da meta inicial. Acreditamos que este resultado reforça a importância deste tema, não só para nós, que estudamos Engenharia, mas também para a sociedade civil, já que foi conseguido com o apoio de micro-investimentos individuais e de patrocínios de grandes empresas, como Noesis, Thales Group e KPMG.

O que explica a sub-representação de mulheres nos cursos de engenharia e tecnologia?

De acordo com Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciências, 54% dos estudantes do ensino superior em Portugal são mulheres. No entanto, apenas 25% dos estudantes de Engenharia e Tecnologia o são.

Há várias causas possíveis: por um lado, a falta de role models, exemplos em que as alunas se possam inspirar desde cedo. Na televisão, no cinema, na sociedade como um todo, é pouco frequente vermos mulheres a trabalhar nestas áreas. Isto contribui para criar a perceção de que é um contexto de homens.

Por outro lado, há um certo desconhecimento sobre estas áreas, as saídas profissionais, as possibilidades de progressão na carreira. É por isso que queremos levar este tema às escolas, falar sobre as razões para estudar Engenharia e mostrar exemplos concretos de alunas do ensino superior que seguiram este percurso e que têm histórias de sucesso para contar.

Quais as consequências da sub-representação das mulheres nos cursos de engenharia e tecnologia?

Voltando a analisar os números, se apenas 25% dos estudantes de Engenharia e Tecnologia em Portugal são mulheres, desde logo podemos antecipar uma enorme assimetria no mercado de trabalho, o que vai contribuir para reforçar a perceção de que estas áreas são essencialmente masculinas, e entramos num ciclo vicioso de falta de diversidade de género.

Essa falta de diversidade vai depois refletir-se nos produtos e serviços desenvolvidos pelas empresas, porque tenderão a representar apenas uma perspetiva, a masculina. As mulheres poderiam contribuir com uma visão diferente, a partir das suas experiências e necessidades, e neste momento isso acontece pouco, pelo menos até à fase de testes e estudos de mercado.

Como podemos promover a igualdade de género nas STEM?

Acreditamos que passa sobretudo por desmistificar as crenças e preconceitos que limitam o acesso das alunas a estes cursos, dar-lhes exemplos reais em que se possam inspirar, e facilitar-lhes o acesso a conhecimento sobre estas áreas, para que possam tomar decisões informadas no momento de acesso à Universidade.

Foi por isso que criámos o chat-fórum online, para que alunas do secundário possam fazer parte de uma rede de partilha de conhecimento entre mulheres ligadas à Tecnologia e colocar todas as dúvidas que tenham, sem restrições. E vamos complementar isso com apresentações nas escolas secundárias, para dar a conhecer experiências contadas na primeira pessoa de alunas que já fizeram este percurso antes delas.

Mitos associados ao estudo das STEM 

  • STEM é para rapazes – é surpreendente que hoje ainda se pense em “cursos de homens” e “cursos de mulheres”, mas este estereótipo continua a limitar o acesso das alunas a estas áreas. STEM é para todas as pessoas que gostem de resolver problemas complexos, que procurem uma carreira desafiante e diversificada, que gostem de ciência e tecnologia. Há muitos exemplos de mulheres que fizeram percursos brilhantes nestas áreas, só precisamos de tornar essas histórias conhecidas!

 

  • STEM é difícil – há muitos receios associados à exigência destes cursos, e à Matemática em particular. Claro que são cursos desafiantes, mas também nos preparam com uma formação de base sólida, que é reconhecida pelo mercado, e que por isso nos abre as portas para um mundo de oportunidades. Em Portugal, há vários CEOs que estudaram Engenharia, por exemplo. Vai ser preciso estudar muito, trabalhar bem em equipa e ser capaz de gerir várias exigências em simultâneo, mas estas competências vão ser importantíssimas em qualquer carreira.

 

  • STEM é para quem quer programar – às vezes confunde-se STEM e programação, mas há muito mais possibilidades de carreira nestas áreas. É certo que também há falta de mulheres programadoras – de acordo com a Girls Who Code, em 1995, 37% dos programadores eram mulheres; hoje a percentagem está nos 24%. Mas o nosso apelo vai muito para além disso: queremos trazer mais alunas para os cursos de Ciências, de Tecnologia, de Engenharia e de Matemática.

[i] Equality and Human Rights Commission, ReinoUnido.

Leia a reportagem completa na nossa revista digital.

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