Home Artigos Empreendedorismo O que precisas saber sobre empreendedorismo – e ninguém te diz

O que precisas saber sobre empreendedorismo – e ninguém te diz

Atravessamos uma fase de transformações sociais muito profundas que representam riscos sérios para todas nós.

Nos últimos anos, o sistema laboral na maioria das nações capitalistas tem vindo a sofrer profundas alterações, e Portugal não é exceção. Estas alterações têm vindo a contribuir para uma crescente precarização laboral, caraterizada pelos seguintes aspetos:

  1. Crescente instabilidade e incerteza no mercado laboral
  2. Transferência dos riscos do trabalho das grandes empresas e dos governos para os trabalhadores e micro empresários
  3. Recuo dos sistemas de proteção social e dos direitos laborais

Estas alterações, que resultam na tão desejada redução do custo do trabalho, são apresentadas como a única forma de aumentar a competitividade das empresas e dos Estados num mercado globalizado, no qual muitos concorrentes são provenientes de regiões sem qualquer tradição de direitos laborais e que, portanto, não suportam os custos inerentes e praticam preços mais baixos.

Neste contexto, os trabalhadores devem ser extremamente flexíveis, versáteis e adaptáveis, sendo capazes de alternar entre situações de emprego precário e soluções de auto-emprego, sem recorrerem a compensações sociais que iriam sobrecarregar as entidades empregadoras e os Estados.

Toda a ideologia subjacente ao empreendedorismo e o discurso que daí decorre surge como uma fonte de legitimação de mudanças que são claramente adversas para a maioria dos cidadãos.

Este discurso enganador, baseado na responsabilização individual, no sucesso pessoal e na acumulação de riqueza, ignora as desigualdades no acesso a oportunidades e recursos e assume de forma simplista que todos estão em igualdade de circunstâncias para alcançar o sucesso.

Tenham em conta que muitas das pessoas que hoje estão a criar os seus próprios negócios (ou a tentar) se encontram numa situação de grande fragilidade. Devido a todas estas transformações, deixaram de ter lugar no mercado de trabalho e são agora confrontadas com a responsabilidade pelo seu próprio fracasso/sucesso, como se as oportunidades estivessem ao seu alcance e tudo dependesse da sua vontade e competência.

Nada disto é verdade, como o comprovam os níveis crescentes e generalizados na desigualdade de rendimentos e a degradação de serviços públicos essenciais, como a educação e a saúde, tão necessários para a construção de uma vida saudável e equilibrada, onde as oportunidades podem ser reconhecidas e aproveitadas.

Nunca esqueçam que não existe responsabilização sem transferência de poder. Dar responsabilidade sem dar poder equivale a empurrar para a precariedade.

Muitos empreendedores fogem hoje a uma situação de pobreza pois ainda contam com o apoio e suporte de familiares que, mediante os tais empregos que mantiveram ao longo de 40 anos, possuem direitos sociais, nomeadamente pensões, que lhes permitem viver com algum conforto. A manter-se a atual tendência de recuo dos direitos sociais, em breve esta fonte irá secar.

É por isso essencial agir no imediato, de forma concertada, para evitar problemas num futuro já muito próximo. E para isso não basta agir ao nível individual; não há pensamento ou atitude positiva que nos valha. A resposta não está no desenvolvimento pessoal, mas sim no desenvolvimento social.

Temos que agir de forma articulada em diversas frentes, nomeadamente:

  • Enquanto trabalhadoras: temos que nos profissionalizar, criar diferenciação, desenvolver competências e criar estruturas colaborativas que nos permitam rentabilizar recursos e dar resposta às necessidades dos consumidores, em concorrência com empresas de grande dimensão. Não é necessário, nem desejável, nem sustentável sermos todas milionárias, com negócios de crescimento vertiginoso. Não sendo o “milionarismo” um fenómeno de massas, tal nem é possível para a maioria dos empreendedores. Isto não significa o seu fracasso. Temos que criar condições de sustentabilidade para todos os negócios, independentemente da sua dimensão, e isso implica uma intensa capacidade de ação conjunta por parte dos mais pequenos, que apenas juntos se tornam fortes.
  • Enquanto consumidoras: temos que alterar os nossos hábitos de consumo, no sentido da busca pela sustentabilidade social e ambiental que pode ser encontrada junto da produção artesanal. Se agora somos empreendedoras e temos negócios de micro e pequena dimensão, porque não preferir os produtos e serviços dos nossos pares, alimentando assim o ecossistema empreendedor em que nos movemos? Se continuamos a fazer as nossas compras nas grandes superfícies, não nos podemos surpreender quando ninguém vem à nossa banca no mercado.
  • Enquanto cidadãs: temos que lutar pela nossa representação política. Se as associações profissionais e empresariais existentes não representam os nossos interesses, temos que insistir junto delas para que o façam, ou então temos que criar novas associações ou outras entidades que representem colectivamente os nossos interesses. Precisamos de conquistar espaço no processo de Concertação Social e, por essa via e por outras, temos que lutar por condições burocráticas e fiscais favoráveis para a criação e manutenção dos nossos negócios.

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Camila Rodrigues

Doutorada em Ciência Política

Administradora das Mulheres à Obra

 

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