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A Violência Económica e os limites da Solidariedade Feminina

Apesar da violência económica ser um fenómeno muito comum na nossa sociedade, esta é uma noção ainda pouco conhecida entre nós. Em linhas gerais, a violência económica envolve qualquer ato ou comportamento que cause dano económico a um indivíduo e pode incluir, por exemplo, danos materiais, a restrição do acesso a recursos financeiros, à educação ou ao mercado de trabalho, ou o incumprimento de responsabilidades económicas, como a pensão de alimentos.

Para além de todos os malefícios diretos que envolve, a violência económica pode tornar a sua vítima mais vulnerável a outras formas de violência que afetam predominantemente as mulheres, como por exemplo a violência doméstica, já que mulheres que não conseguem garantir a sua independência financeira podem ver-se presas num ambiente familiar partilhado com o seu agressor.

A feminização da Pobreza

De facto, as mulheres estão particularmente vulneráveis à violência económica e há dados que o comprovam. A este propósito, o Conselho da Europa revela que uma das consequências da globalização é precisamente a feminização da pobreza e a situação não está a melhorar.

De acordo com a ONU Mulheres, a meio caminho do final da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o mundo não está a conseguir alcançar a igualdade de género, tornando-a um objectivo cada vez mais distante. Se as tendências actuais se mantiverem, mais de 340 milhões de mulheres e raparigas ainda viverão em pobreza extrema até 2030, e perto de uma em cada quatro sofrerá de insegurança alimentar moderada ou grave.

A ONU Mulheres acrescenta que se disparidade de género nas posições de poder e de liderança permanece enraizada e, ao ritmo actual de progresso, a próxima geração de mulheres ainda gastará, em média, mais 2,3 horas por dia em cuidados não remunerados e trabalho doméstico do que os homens. Nenhum país está ao alcance da erradicação da violência entre parceiros íntimos, e a percentagem de mulheres em cargos de gestão no local de trabalho permanecerá abaixo da paridade, mesmo em 2050.

Violência económica no empreendedorismo feminino

Na nossa comunidade de empreendedoras, a violência económica manifesta-se essencialmente na precariedade financeira de muitos pequenos negócios geridos por mulheres que funcionam sem qualquer apoio público ou privado e assumem responsabilidades fiscais que são desadequadas face à sua faturação e recursos.  

Muitas mulheres criaram estes negócios precisamente devido a restrições no acesso ao mercado de trabalho, por questões relacionadas, por exemplo, com a idade ou a maternidade, ou por perda de direitos laborais, e empreendem por necessidade, frequentemente com conhecimentos limitados ao nível da gestão de um negócio próprio e com pouco capital para investir e suportar a fase inicial de arranque do negócio.

Por isso, sofrem diariamente com a instabilidade financeira e a insuficiência dos rendimentos que conseguem obter e que frequentemente não lhes permitem garantir uma vida digna e segura para si próprias e para os seus dependentes.

A solidariedade feminina posta à prova

Para agravar a situação já difícil que muitas mulheres em Portugal atravessam, deparamo-nos frequentemente com a violência simbólica que é exercida, também, por parte de outras mulheres que, estando numa situação económica mais favorável, acreditam que se encontram numa posição de superioridade moral ou, simplesmente, não têm sensibilidade e interesse relativamente aos desafios dos seus pares. O sentimento de superioridade é uma crença generalizada na nossa sociedade, em que o sucesso financeiro é associado ao valor pessoal sem se ter em consideração fatores sócio-económicos complexos e as particularidades de cada mulher.

Nas Mulheres à Obra, sendo uma comunidade inclusiva que trata todas as mulheres com igual respeito e consideração, independentemente da sua faturação, somos constantemente confrontadas com esta situação. Muitas mulheres empresárias e empreendedoras de sucesso que poderiam contribuir para empoderar o nosso ecossistema não se querem associar a uma comunidade inclusiva que entendem ser pouco interessante para os seus propósitos individuais precisamente por causa desta inclusão. Persiste, sobretudo, um manifesto preconceito face a pequenos negócios que acolhemos entre nós, os quais são considerados «insignificantes» e «desinteressantes», esquecendo que estes pequenos negócios alimentam muitas famílias no nosso país e pagam impostos que sustentam o nosso Estado.

Quem assim se conduz são mulheres que procuram sobretudo conectar-se com pessoas que entendem ter um estatuto elevado e que se movem em círculos exclusivos de influência e poder. Rejeitam, por isso, conexões com mulheres que entendem estar numa situação de inferioridade, devido à pequena dimensão e aos desafios financeiros dos seus negócios.  

Este é, sem dúvida, um dos maiores desafios que enfrentamos hoje: a dificuldade de criar conexões construtivas entre mulheres que se encontram em situações diversas e possam contribuir com a sua experiência e conhecimento para o empoderamento feminino coletivo. Apesar das dificuldades, vamos continuar a lutar para transformar este sonho numa realidade, pois acreditamos que a nossa capacidade de ação coletiva em função de interesses comuns é fundamental para alcançar a igualdade de género na economia e anular a vulnerabilidade à violência económica que afeta tantas mulheres na nossa sociedade. Sobretudo, acreditamos que há lugar na economia para todos os negócios, grandes e pequenos, e a complementaridade será certamente mais enriquecedora para todas do que a rejeição.

Para terminar, deixamos aqui 3 recomendações muito concretas que as mulheres que se encontram numa posição de poder económico podem implementar para se solidarizar com os seus pares:

  1. Adquirir, para si e para o seu agregado familiar, produtos e serviços oferecidos por pequenos negócios, nomeadamente aqueles que são geridos por mulheres;
  2. Procurar integrar, na oferta das suas próprias empresas, produtos e serviços desenvolvidos por estes negócios;
  3. Incluir estes negócios como prestadores de serviços e fornecedores de produtos para as suas empresas.

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