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Trabalhadores por conta própria – pelo direito à negociação coletiva e ao salário mínimo

A crise económica que se fez sentir no início do milénio obrigou a uma profunda reestruturação laboral em toda a União Europeia, com uma perda massiva de emprego e a reconfiguração de muitas relações laborais, situação que afetou de forma particularmente severa alguns países, como Portugal. Na recuperação da recessão surgiu a pandemia e, agora, a guerra na Ucrânia, representando a combinação de todos estes desafios um momento crítico para muitos trabalhadores na Europa.

Os trabalhadores por conta própria têm sido particularmente afetados por todos os imponderáveis derivados destas circunstâncias. Por isso, a questão da atribuição de um salário mínimo a estes trabalhadores reveste-se de grande atualidade e está neste momento a ser analisada pelo Eurofound.

Pelo direito a uma remuneração mínima

Por definição, o trabalho por conta própria implica a negociação independente dos honorários com os clientes, o que parece invalidar a pertinência de um salário mínimo. No entanto, não pode ser ignorado que muitos trabalhadores por conta própria enfrentam desafios particulares e estão em risco de privação material, ao auferirem rendimentos reduzidos e inseguros que os tornam vulneráveis à pobreza, ao mesmo tempo que carecem dos níveis de proteção social genericamente atribuídos aos trabalhadores por conta de outrem.

O reconhecimento desta realidade motivou os Estados-Membros a debater o estabelecimento de formas legais de remuneração mínima para determinadas categorias de trabalhadores por conta própria. Para informar e sustentar o debate, os dados relevantes foram compilados no relatório «Regulando salários mínimos e outras formas de pagamento para os trabalhadores independentes».

Procura-se com este relatório “compreender como os salários mínimos, as taxas salariais, as tarifas, os honorários e/ou outras formas de remuneração podem ser fixados para empregos ou profissões específicos em setores com um elevado nível de trabalhadores independentes/trabalhadores por conta própria vulneráveis e «ocultos», nomeadamente através de um levantamento das abordagens nacionais e setoriais”.

Um caminho a percorrer

Em junho de 2020, Margrethe Vestager, vice-presidente executiva da Comissão Europeia responsável pela política de concorrência, havia reconhecido o esbatimento das diferenças entre «trabalhador assalariado» e «trabalhador por conta própria», o que obrigava a reconsiderar a negociação coletiva relativa ao salário mínimo para estes trabalhadores.

Neste contexto, foi finalmente assumida a relevância de alargar os acordos coletivos a alguns tipos de trabalhadores por conta própria, nomeadamente quando se encontrem numa situação de desequilíbrio de poderes na sua relação contratual.

No entanto, ainda há muito caminho a percorrer. A análise da situação dos trabalhadores por conta própria nos Estados Membros permite concluir que a representação sindical dos trabalhadores por conta própria é autorizada apenas em 16 dos 27 Estados-Membros da União Europeia. Em alguns casos, a base jurídica encontra-se incluída no direito do trabalho, enquanto noutros países consiste igualmente num direito constitucional. Três Estados — Estónia, Roménia e Eslováquia — não permitem a representação sindical dos trabalhadores por conta própria.

Embora o relatório do Eurofund tenha identificado 14 Estados Membros com direitos de representação e de negociação coletiva comparativamente alargados para os trabalhadores por conta própria, nos quais se inclui Portugal, apenas um pequeno número de Estados Membros cumpre todos os critérios no que diz respeito à representação sindical, aos direitos de negociação coletiva, aos salários mínimos nacionais e aos salários mínimos ou outras formas de remuneração acordados coletivamente para os trabalhadores por conta própria.

A situação em Portugal

Em Portugal, a negociação coletiva deverá abranger os trabalhadores independentes economicamente dependentes, tendo os deputados da Comissão do Trabalho aprovado em Novembro de 2022 a proposta do PS para aplicar esta negociação aos trabalhadores independentes que prestam mais de 50% da sua atividade para o mesmo empregador.

No entanto, segundo o relatório do Eurofund, em Portugal a recetividade dos sindicatos aos trabalhadores independentes é uma prática muito recente e rara. Em alternativa, os trabalhadores independentes em Portugal têm vindo a constituir associações voluntárias que têm por objetivo combater o falso trabalho por conta própria, fazer campanha pelo reconhecimento dos contratos de trabalho e melhorar os direitos laborais e de proteção social. Por vezes, estas associações cooperam com os sindicatos e é apresentado o exemplo da Federação Nacional dos Professores (FENPROF), que tem colaborado com a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC).

Entretanto, têm sido efetuados esforços por parte de alguns sindicatos para garantir a proteção de distribuidores de plataformas como a Glovo e a Uber, sendo a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis referida como uma das entidades mais relevantes na defesa dos direitos destes trabalhadores.

Estes esforços são bastante animadores e os dados apresentados pelo relatório do Eurofund permitem-nos concluir que estamos no caminho certo. O reconhecimento institucional da importância da negociação coletiva relativa aos direitos dos trabalhadores por conta própria, nomeadamente no que se refere ao estabelecimento de um salário mínimo, é um passo determinante no empoderamento destes trabalhadores, cuja viabilidade financeira depende fortemente dos direitos e deveres legalmente consagrados para o exercício da sua atividade. É agora necessário que este reconhecimento institucional se alargue, assuma enquadramento legal e se reflita efetivamente na prática laboral destes trabalhadores.   

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