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A União Europeia e o empoderamento feminino nas microempresas

As microempresas desempenham um papel crucial na economia europeia, contribuindo significativamente para o emprego, a inovação e o crescimento económico. Reconhecendo o papel vital das mulheres nestas empresas, a União Europeia (UE) tem sido proativa na promoção da igualdade de género e da emancipação das mulheres no panorama empresarial.

Aqui elencamos as principais medidas comunitárias destinadas a promover a igualdade de género nas microempresas, com especial incidência nos avanços e no apoio prestado às mulheres empresárias.

A Diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida privada

Um dos principais atos legislativos em matéria de igualdade de género nas microempresas é  a Diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida privada, adotada pela UE em 2019. Esta diretiva sublinha a importância de facilitar um melhor equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar de todos os trabalhadores, incluindo os que trabalham em microempresas. A Diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar é o resultado de anos de trabalho da Comissão para incentivar os Estados-Membros da UE e o Parlamento Europeu a melhorarem a legislação.

A fim de dar resposta à sub-representação das mulheres no mercado de trabalho, o direito à licença de maternidade, a regimes de trabalho flexíveis e o acesso a serviços de prestação de cuidados foram incorporados no princípio 9 do Pilar Europeu dos Direitos Sociais em 2017. Ao prever regimes de trabalho flexíveis e licenças parentais, esta diretiva permite às empresárias gerir as suas responsabilidades pessoais e funções de prestação de cuidados sem sacrificar as suas aspirações profissionais.

Um aspeto essencial da Diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar é a licença parental. A diretiva da UE garante que os pais, independentemente do género, têm acesso a uma licença parental remunerada para cuidar dos filhos. Esta disposição é particularmente importante para as mulheres que podem hesitar em criar uma empresa devido ao receio de ter um impacto negativo na sua vida familiar.

Este novo equilíbrio ajuda a promover a participação das mulheres na força de trabalho e incentiva-as a participar ativamente em empreendimentos empresariais. Tal como proclamado pela Presidente von der Leyen nas suas Orientações Políticas, a Comissão assegurará a plena aplicação da Diretiva Trabalho-Vida Privada, que ajuda a trazer mais mulheres para o mercado de trabalho e contribui para combater a pobreza infantil.

Acesso a financiamento

Há muito que o acesso ao financiamento é identificado como um obstáculo significativo para as mulheres empresárias, em especial no contexto das microempresas. A UE implementou várias iniciativas para resolver esta questão, como o programa «InvestEU». Através do InvestEU, a UE presta apoio financeiro às pequenas e médias empresas (PME), incluindo microempresas detidas ou lideradas por mulheres. Ao facilitar o acesso ao capital e às oportunidades de financiamento, a UE pretende criar condições equitativas e capacitar as mulheres para criarem e desenvolverem com êxito as suas empresas.

O Fundo Europeu de Investimento (FEI) também trabalha para apoiar as PME, através de garantias e capital para intermediários financeiros. Esta iniciativa permite que as microempresas acedam a empréstimos com requisitos de garantias reduzidos e taxas de juro mais baixas, reforçando a sua estabilidade financeira e capacidade de crescimento.

O Horizonte Europa, o principal programa de financiamento da UE para a investigação e a inovação, também desempenha um papel vital na promoção da igualdade de género nas microempresas. O programa incentiva projetos de pesquisa e inovação com foco na inovação sensível ao género e na participação das mulheres. Ao promover a investigação, o desenvolvimento e o empreendedorismo inclusivos em termos de género, o Horizonte Europa contribui para um ecossistema de inovação mais equilibrado em termos de género, promovendo um melhor acesso ao financiamento e aos recursos por parte das empresas lideradas por mulheres.

Quotas de género nos conselhos de administração

A Comissão Europeia tem defendido sistematicamente a diversidade de género nos conselhos de administração das empresas, uma vez que a representação das mulheres tem sido baixa, limitando a sua influência e poder de decisão. Para corrigir esta disparidade, alguns Estados-Membros da UE adotaram quotas de género nos conselhos de administração, exigindo que uma percentagem mínima de mulheres esteja representada em cargos de liderança empresarial.

Embora esta medida vise principalmente as empresas de maior dimensão, os princípios do equilíbrio e da representação entre homens e mulheres estendem-se também às microempresas. Ao promover a diversidade de género e a inclusão nos processos de tomada de decisão, a UE pretende criar um ambiente mais propício para as mulheres no mundo empresarial, independentemente da dimensão da sua empresa.

Ao terem mais mulheres nos conselhos de administração, as empresas beneficiam de pontos de vista diversos, conduzindo a um governo societário equilibrado e a um melhor desempenho. As  quotas de género nos conselhos de administração quebram o «teto de vidro» que limitou o avanço das mulheres nas hierarquias empresariais. Ao garantir uma representação mínima de mulheres em cargos de liderança, estas quotas criam condições de concorrência mais equitativas, abrindo portas para que mulheres talentosas cheguem a cargos executivos. Consequentemente, as quotas de género enviam uma mensagem forte sobre o compromisso da UE para com a igualdade de género e a emancipação. Eles incentivam as empresas a adotar práticas inclusivas e cultivar equipas de liderança diversificadas, promovendo assim uma mudança cultural em direção à igualdade de género.

Diretiva relativa às disparidades salariais entre homens e mulheres

As disparidades salariais entre homens e mulheres continuam a ser um problema persistente, com as mulheres a ganharem menos do que os homens por trabalho equivalente. Para combater esta disparidade, a UE aplicou a Diretiva Disparidades Salariais entre Homens e Mulheres, que é uma legislação essencial que visa eliminar as disparidades salariais entre homens e mulheres e que afeta indiretamente as mulheres nas microempresas. Embora vise empresas de maior dimensão, estabelece um precedente para o princípio de salário igual para trabalho igual, que pode inspirar as microempresas a adotarem práticas semelhantes.

A  Diretiva Igualdade de Remuneração por Trabalho Igual é um dos princípios fundadores da UE consagrados no artigo 157.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). O princípio é o de salário igual para trabalho igual, tornando ilegal a discriminação com base no género. Ao impor a igualdade de remuneração, a UE promove um ambiente de trabalho equitativo e justo, eliminando as barreiras financeiras com que se deparam as mulheres e capacitando-as para desempenharem funções de liderança.

No entanto, a questão da desigualdade salarial entre géneros continua a ser uma questão multifacetada, nomeadamente em Portugal, onde os homens, em média, ganham 990,05€ de remuneração base mensal, enquanto as mulheres ganham 824,99€, com uma diferença de 16,7%.

As diretivas da UE desempenham um papel vital no processo de resolução do problema, atuando como catalisadores de mudança e responsabilização, e capacitam as mulheres em Portugal para desafiar o status quo e lutar pela equidade salarial. A Diretiva Disparidades Salariais entre Homens e Mulheres defende uma maior transparência salarial, exigindo que as empresas divulguem informações salariais para identificar e resolver as disparidades salariais. Isto permite que as mulheres tomem decisões mais informadas sobre as suas carreiras, negoceiem salários justos e responsabilizem os empregadores por práticas de remuneração equitativas. No seu conjunto, estas diretivas constituem uma base sólida para a promoção da igualdade entre homens e mulheres na UE. No entanto, esforços contínuos de sensibilização e colaboração são necessários para impulsionar mudanças duradouras e criar um futuro onde a igualdade de género seja realmente realizada.

Programas de Educação e Formação

Reconhecendo o potencial inexplorado das mulheres no mundo empresarial, a União Europeia (UE) tem vindo a implementar ativamente várias iniciativas de educação e formação destinadas a apoiar e capacitar as mulheres empresárias. Esses programas oferecem mentoria, oportunidades de networking e de desenvolvimento de competências, atendendo especificamente às necessidades das mulheres nas microempresas.

  1. Erasmus para Jovens Empresários: O programa Erasmus para Jovens Empreendedores facilita o intercâmbio entre aspirantes ou recém-estabelecidos empreendedores e empreendedores experientes, permitindo-lhes colaborar e aprender com as experiências uns dos outros. Este programa fornece uma plataforma valiosa para mulheres empreendedoras adquirirem conhecimento prático, construírem redes de apoio e desenvolverem a sua mentalidade empreendedora.
  2. COSME (Competitividade das Empresas e Pequenas e Médias Empresas): Este programa da UE presta apoio às pequenas e médias empresas (PME), incluindo as empresas lideradas por mulheres. O COSME oferece assistência financeira, formação e mentoria para aumentar a competitividade e a sustentabilidade das PME, permitindo assim que as mulheres empresárias tenham acesso a recursos vitais para crescer e expandir os seus empreendimentos.
  3.  WEgate: A WEgate é uma plataforma em linha criada pela Comissão Europeia para proporcionar às mulheres empresárias acesso a uma grande variedade de recursos, incluindo dicas de negócios, boas práticas, histórias de sucesso e oportunidades de networking. A plataforma serve como um valioso repositório de conhecimento, garantindo que as mulheres empresárias possam aprender com as experiências umas das outras e encontrar inspiração em negócios bem-sucedidos liderados por mulheres.

Ao longo dos anos, os programas de educação e formação da UE têm demonstrado um sucesso significativo na capacitação das mulheres empresárias. Por meio destas iniciativas, muitas mulheres conseguiram superar barreiras e alcançar objetivos marcantes nas suas jornadas empreendedoras. Ao dotar as mulheres dos conhecimentos e recursos necessários, estas iniciativas ajudam a superar os desafios específicos de género, melhorando, em última análise, o seu sucesso empresarial. Como resultado, têm emergido empresas bem-sucedidas lideradas por mulheres em vários setores, contribuindo para o crescimento económico, a criação de emprego e os avanços tecnológicos na UE.

Combater estereótipos e preconceitos

Os estereótipos e preconceitos de género há muito que colocam obstáculos significativos ao progresso das mulheres em vários domínios, incluindo o empreendedorismo. Em muitas sociedades, perceções ultrapassadas dos papéis e expectativas de género perpetuam um preconceito generalizado de género, impedindo as mulheres de realizarem todo o seu potencial como empresárias. A União Europeia (UE) tomou medidas proactivas para combater os estereótipos e preconceitos de género, que podem impedir o progresso das mulheres no empreendedorismo.

Através da promoção de uma linguagem neutra do ponto de vista do género e da realização de campanhas de sensibilização, a UE pretende criar um ecossistema empresarial mais inclusivo e que promova a participação e a liderança das mulheres nas microempresas. A UE fê-lo eliminando o preconceito de género no financiamento e investimento através de iniciativas como o programa «Investir nas Mulheres», que procura apoiar as empresas lideradas por mulheres, ligando-as a investidores que dão prioridade ativa à igualdade de género. A Comissão Europeia lançou uma campanha para desafiar os estereótipos de género, que constitui um resultado concreto da Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025.

Um caminho que se faz caminhando

Embora a União Europeia tenha feito progressos em matéria de igualdade de género no ano passado, tal como salientado no relatório de 2023 da Comissão Europeia sobre a igualdade de género, os direitos das mulheres têm estado sob pressão em todo o mundo. Por exemplo, com o aumento dos casos de violência doméstica durante a pandemia, a agressão russa na Ucrânia expondo as mulheres ao risco de violência sexual e tráfico de seres humanos, e a reversão da decisão histórica no caso Roe v. Wade proibindo o aborto nos Estados Unidos.

Através de legislação, campanhas de sensibilização e programas específicos, a dedicação da UE em combater os estereótipos e preconceitos de género é um passo na direção certa para estabelecer um mundo onde o pleno potencial das mulheres seja realizado. A UE pretende criar um ambiente em que as mulheres possam prosseguir as suas ambições sem enfrentarem obstáculos desnecessários. No entanto, apesar destes esforços, há ainda muito trabalho a fazer. A colaboração contínua entre os decisores políticos, as empresas e a sociedade em geral é essencial para criar mudanças duradouras e melhorar a igualdade de género. A aceitação da diversidade e o desmantelamento dos estereótipos de género não só beneficiam as mulheres empresárias, como também contribuem para uma economia europeia mais inovadora, resiliente e próspera.

As diretivas e a legislação da União Europeia desempenham um papel vital na emancipação das mulheres nas microempresas. Ao centrar-se na conciliação entre a vida profissional e a vida privada, no acesso ao financiamento, nas quotas de género, na igualdade de remuneração, na educação e na luta contra os preconceitos, a UE deu passos significativos no sentido de promover a igualdade entre homens e mulheres no mundo empresarial. Através destas medidas, são oferecidas às mulheres empresárias maiores oportunidades para criarem e desenvolverem microempresas bem-sucedidas, contribuindo para a prosperidade económica e o progresso social em toda a região europeia. No entanto, são necessários esforços contínuos e ações colaborativas para garantir que o empoderamento das mulheres continua a ser uma prioridade absoluta, promovendo uma comunidade empresarial inclusiva e diversificada.

Kiara Goncalves-Pieniawska

Estagiária nas Mulheres à Obra pela Pagoda Projects

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