Política Mulheres pela Liberdade – A Luta continua Publicado em 25 de Abril, 2019 A Dona Rosa veio para Lisboa nos anos 60 com o marido e os 5 filhos. Esta mãe, na altura com quase 50 anos, era oriunda do contexto rural, da zona de Lamego, e tinha apenas a 2ª classe incompleta, pois só lhe foi permitido frequentar a escola «desde a apanha das castanhas até à apanha das cerejas». A família acabou por se instalar numa barraca no Bairro Dona Leonor, em Benfica, pois na altura era praticamente impossível encontrar uma alternativa no mercado formal de habitação. Isto porque existia uma carência habitacional de cerca de 600 000 fogos e uma percentagem significativa das habitações existentes não possuía condições mínimas de habitabilidade. Os programas de habitação social do Estado Novo eram extremamente seletivos, restritivos e escassos, pelo que os trabalhadores indiferenciados que chegavam das zonas rurais tinham que construir as suas barracas rapidamente durante a noite, pois se de manhã já tivessem uma parte do teto construída, as autoridades não iriam demolir a sua barraca. Era este contexto de hipocrisia institucional que sustentava as indústrias e empresas das grandes cidades, que assim conseguiam ter uma mão de obra abundante disposta a trabalhar por salários de miséria, manifestamente insuficientes para garantir o acesso à habitação. A Dona Rosa trabalhava a dias em casas de senhoras esclarecidas da classe média-alta, que foram despertando o seu ativismo político. Na catequese, onde acompanhava os seus filhos, o catequista e o padre começavam a sensibilizar aquelas pessoas carenciadas e desempoderadas para os seus direitos. Neste bairro em particular, foi a igreja que assumiu este papel de sensibilização, pelo que as mulheres, que eram quem mais frequentava a catequese enquanto acompanhantes dos filhos, vieram a assumir um papel de liderança fundamental no movimento de moradores. Com o 25 de Abril, o ambiente opressivo do Estado Novo dissipou-se e rapidamente os bairros de barracas acordaram para uma nova realidade. No Bairro Dona Leonor, a Dona Rosa rapidamente encabeçou uma comissão de moradores, que mais tarde deu origem a uma cooperativa de habitação. Através desta cooperativa, e com o apoio do Serviço de Apoio Ambulatório local (SAAL), os moradores geriram o seu próprio processo de realojamento e construíram um bairro muito agradável e bem situado onde ainda hoje vivem. Isto foi possível apesar de todos os obstáculos que os moradores vieram a enfrentar, pois findo o processo revolucionário, uma contra-revolução de que raramente se fala e que nunca se celebra (apesar de definir a sociedade em que hoje vivemos) atenuou bastante o ambiente de liberdade e equidade que efemeramente se vivera no contexto do PREC. O SAAL foi descontinuado e os moradores foram confrontados com inúmeros obstáculos burocráticos e com grandes pressões para abandonarem os terrenos valiosos e muito cobiçados em que viviam. No entanto, a breve experiência empoderadora que haviam tido durante o processo revolucionário plantou uma semente que não se deixou aniquilar. Ainda hoje os moradores do bairro Dona Leonor apelidam a Dona Rosa de Padeira de Aljubarrota, graças à sua força e determinação durante todo este difícil e moroso processo. Os moradores, encabeçados pela Dona Rosa, fizeram frente aos novos poderes instituídos e mantiveram o seu propósito. E venceram. A sua vitória é inspiradora e ainda hoje faz sentir o seu legado. Conheci a história da Dona Rosa há poucos anos, pela sua própria boca e pela boca dos seus familiares, que com grande generosidade aceitaram partilhar comigo esta experiência maravilhosa. Foi uma entre várias histórias assombrosas que recolhi ao longo dos vários anos em que trabalhei na minha tese de doutoramento em ciência política, sobre o Movimento de Moradores para além da Revolução. Terminei o doutoramento com sucesso, graças à sua colaboração, e encontrei aqui a inspiração para uma nova luta pela equidade, empoderamento e, claro, pela liberdade. A liberdade que hoje celebramos não está garantida e todos os dias temos que continuar a lutar por ela. Por isso, Mulheres à Obra!!!
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